quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Oswaldo Aranha à Paulistana.



Autor: Viviane Zandonadi
Filé à Oswaldo Aranha: o melhor de três


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Crédito da foto: Eduardo Cesar/Foto Arena
A montagem do prato no Lellis da Al. Campinas: misturar o suco da carne ao arroz e à farofa é mais gostoso
Ah, Oswaldo. Sempre penso em você.
Oswaldo Aranha bem feito – benfeito, como quer o acordo ortográfico – é assim: um filé suculento, alto e no ponto, servido com farofa bem temperada, arroz branco e batatas. De preferência, batatas portuguesas. Cortadas, fritas e salgadas na medida. Originalmente, a carne é coberta por uma camada generosa de alho.
Acho que o suco do filé, aquele que resta na panela, sempre merece ser misturado com os demais integrantes. Nada de jogar fora.
Vai dizer que é feio, que não é fino? Bom, é verdadeiro e saboroso. Assim como aprecio o Oswaldo Aranha todo misturado, também mergulho, sem vergonha alguma, o pão com manteiga no café com leite e, com a mesma naturalidade, passo o pão no prato para não dispensar o sugo.
Isso não é falta de educação, antes que a patrulha da etiqueta venha a se aborrecer com meus modos. Melhor: pode até torcer o nariz, mas é bobagem. Melhor gastar pólvora com coisas mais interessantes e não desperdiçar a boa comida e a chance de prolongar o prazer à mesa por causa desses pudores. E se alguém ficou na dúvida, aviso: mastigo de boca fechada (e não converso no cinema). Certamente não sou um caso polidamente perdido.
Pois bem. O Oswaldo nasceu no Rio. É um prato clássico da cozinha carioca. Quem inventou foi um político que, por sua vez, era gaúcho de Alegrete: Oswaldo Euclides de Souza Aranha (1894-1960). Ele vivia no Cosmopolita, no Rio, lugar na Lapa apelidado de Senadinho por causa da frequência. Sempre pedia que seu prato fosse montado assim, com os ingredientes misturados ainda na frigideira que curtiu a carne, de modo que o suco daquele filé fosse incorporado à farofa e ao arroz. Tanto fez, tanto fez, que a moda pegou. E durou para sempre. Mais de setenta anos. Infelizmente a mania higienista tratou de separar suco da farofa e do arroz com a justificativa de que ao botar cada coisa em seu lugar o conjunto fica mais bonito na “apresentação”. Poucos são os bares e restaurantes que conservam o jeito antigo de servir.
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Crédito da foto: Eduardo Cesar/Foto Arena
Oswaldo Aranha a cavalo, do Lellis: personalizado. Clique para ampliar esta imagem
Pois fiz minha escolha em São Paulo. O melhor dos três, provados em várias visitas no mês de janeiro, está no Lellis da Alameda Campinas, nos Jardins. E faço questão que, à minha mesa, o Oswaldo chegue a cavalo feito príncipe no conto de fadas. Um ovo para acompanhar, por favor.
Lellis Trattoria Campinas
Quando conheci o Oswaldo Aranha do Lellis, há alguns anos, não era essa minha intenção. Cheguei ao restaurante a fim de um bife a cavalo, com o ovo por cima e uma porção de arroz branco fresquinho. A quilometragem do cardápio parecia promissora — é uma longa, sinuosa e distrativa estrada, como costuma ocorrer nesses restaurantes variados mais antigos, que vão do mar ao deserto sem nenhum pudor. Pois naquela oferta interminável, não achei o bife, mas lá estava o Oswaldo. Chamei o garçom. Seu nome era Marcelo. “Dá para trazer o Oswaldo a cavalo?”. Sim e vai ficar ótimo, encorajou. Seus olhos compreensivos… Ele era bem simpático. Na ocasião, pensei: “Ficou comovido com a minha cara de fome”. Era um daqueles sábados de ‘almojanta’. O Marcelo trouxe a frigideira com os filés (são quatro peças) e, em outro prato, o arroz, a farofa e as batatas. Perguntou se poderia misturar o molho da frigideira aos demais ingredientes, antes de servir. “É o modo clássico, mas muita gente não gosta”. Misture, por favor. Perfeito. Eu repetiria essa visita muitas vezes e em nenhuma delas dispensaria a misancene.
A última vez foi no começo de janeiro e quase tudo estava em seu lugar – exceto pelo fato de sentir que eu estava atrapalhando alguma coisa: todos os muitos garçons mais ocupados com alguma partida desimportante de futebol do que com os olhares de súplica dos clientes. Desimportante para mim, pelo menos. A casa estava tomada por vários aparelhos de televisão ligados no mesmo canal e toda a brigada de olho na tevê. Foi difícil conseguir água com gás e alguma atenção. Não entendo essa coisa de televisão em restaurante. Se vai ver tevê, melhor comer em casa, não?
A diferença principal do Oswaldo Aranha do Lellis para o original carioca é que não há vestígio do alho frito que o Senador fazia questão de encontrar. Em seu lugar, molho de alcaparras. Acredite. Vale cada garfada.
Al. Campinas, 1615, Jardim Paulista, São Paulo, tel. (11) 3885-2698
O filé Oswaldo Aranha custa 104 reais e serve duas pessoas. É feito com filé-mignon.
Crédito da foto: divulgação
Oswaldo Aranha do São Cristóvão: clique para ampliar a imagem
São Cristóvão
O São Cristóvão é um bar com cozinha de restaurante (oferece, além de porções saborosas para acompanhar o chope, pratos completos). Teoricamente, atrai boleiros, pois a temática é o futebol. Mas a frequência é absolutamente democrática. Famílias, amigos, casais. Todo mundo se dá bem. Suas paredes são murais do esporte e é fácil cair no jogo de adivinhar de onde é esta ou aquela flâmula. Bem bacana (sim, aqui também tem televisão. Com o perdão do trocadilho, é do jogo).
Vai bem abrir os trabalhos com uma porção de pastéis. São sequinhos, bem fornidos. Deliciosos. O caldinho de feijão chega em porção generosa. É bem temperado, muito, muito saboroso. Peça para vir antes do Oswaldo: quando ‘ele’ chegar à mesa, você estará na metade da caneca e, se agradar, poderá aproveitar o caldo para colorir o arroz. De novo: subverte, mas não compromete. Fica ótimo.
Oswaldo Aranha bem tradicional, quase tão saboroso quanto o do Lellis. Farofa sequinha. Atendimento exemplar -  muitos bares poderiam enviar suas brigadas para um treinamento no São Cristóvão. Ponto para eles. Nem se compara com aquelas casas em que o esporte favorito do garçom é não deixar faltar chope em sua mesa e tudo mais é secundário.
Uma sugestão: para não esquentar a cabeça com espera, vá tranquilamente aos sábados, logo depois do fim da feira (não tema, a barraca mais próxima não é a de peixe), por volta das 13h30, 14h.
Fechei meu almoço com uma fatia de abacaxi. Doce. Mais doce ainda porque quando fiz o pedido a fruta já tinha acabado e um funcionário solícito correu até a quitanda mais próxima. Em menos de cinco minutos ele, o abacaxi, estava na minha frente. Bingo.
R. Aspicuelta, 533, Vila Madalena, São Paulo, tel. (11) 3097-9904
O filé Oswaldo Aranha custa 56 reais. É um prato individual, mas a porção é farta. Se o apetite não estiver muito violento, dá para compartilhar sem problemas. É feito com filé-mignon.
Crédito da foto: Eduardo Cesar/Foto Arena
Oswaldo Aranha do Astor: o cardápio tem viagens mais saborosas. Muitas
Astor
O Oswaldo é servido já montado no prato individual. O filé chega no ponto certo, salpicado de alho picadinho. O arroz, puxado no alho, a farofa e a batata estão lá. Esta última é do tipo palha, feita na casa. Ao optar por essa adaptação, e por delimitar bem a distância entre o suco da carne e os acompanhamentos, o combinado não empolga. Atenção: na unidade do Rio de Janeiro a receita é a mesma, só que as batatas são chips.
Não vá ao Astor só por causa do Oswaldo Aranha.A cozinha do bar é ótima e oferece viagens bem mais proveitosas, como os sanduíches, a panelinha de frutos do mar, os mexilhões com fritas e mais um montão de outras opções. No capítulo filés clássicos, prefira o à Diana (molho de páprica e rôti e arroz puxado no mesmo). A Diana é muito mais bacana que o Oswaldo. Tem mais sabor, o resultado é mais interessante e ainda por cima é difícil de encontrar por aí.
A trilha sonora é boa – o leitor vai aproveitar bastante se der sorte e a casa ainda não estiver tão cheia e barulhenta. No dia da visita, minhas últimas vizinhas de mesa começaram a gritar. Mulheres histéricas desesperadas por atenção atrapalham e espantam. Azar o meu. Ainda bem que eu já tinha dado conta de tudo e era quase hora de partir.
O que importa é que o filé à Diana estava uma delícia. Deu vontade de repetir.
O serviço é eficiente – é possível que, de todas as casas da Companhia Tradicional de Comércio, o time do Astor seja o melhor. E os pastéis? (sim, tenho fixação neles): são sempre ótimos.
Rua Delfina, 163, Vila Madalena, São Paulo, tel. (11) 3815-1364
O filé Oswaldo Aranha custa 41 reais e é um prato individual (mesmo). É feito com filé-mignon.