domingo, maio 23, 2010

50 anos de Psicose - O filme de Alfred Hitchcock completa meio século como o mais popular e influente trabalho do cineasta britânico.


Especial 50 anos de Psicose

O filme de Alfred Hitchcock completa meio século como o mais popular e influente trabalho do cineasta britânico

Ricardo Calil, colunista do iG | 25/04/2010 12:15
Em uma enquete sobre as grandes cenas de filmes da história publicada neste mês, o jornal britânico The Guardian ouviu uma série de profissionais de cinema. Eles lembraram de sequências clássicas de filmes como Jules e JimTaxi Driver, 2001 - Uma Odisseia no Espaço e mais alguns usuais suspeitos. Mas a foto principal do artigo, o filme que abriu a enquete, a escolha do autor do texto, recaiu sobre outro velho conhecido: o assassinato no chuveiro de Psicose. Não há mistério na escolha: é a cena mais popular do filme mais popular do cineasta mais popular da história.
São apenas 45 segundos. Mas a cena tem 78 cortes, levou uma semana para ser filmada e vem sendo dissecada minuciosamente nos últimos 50 anos. Quem pesquisar o filme na internet vai descobrir, por exemplo, que Alfred Hitchcock decidiu fazer o filme em preto e branco para que o vermelho do sangue na cena não ficasse chocante demais – e isso permitiu que o cineasta usasse calda de chocolate Bosco no lugar de outra substância. Outra: o chuveiro que se vê filmado de baixo para cima na realidade tinha dois metros de diâmetro, para que a câmera captasse os jatos d’água com maior intensidade.
Podem parecer apenas curiosidades de bastidor. Na verdade, elas são reveladoras do perfeccionismo, do absoluto controle que Hitchcock exercia em seus sets, da sua perfeita consciência do resultado que queria obter. Não foi à toa que ele ganhou a alcunha de mestre do suspense (e que escreveu os verbetes sobre produção cinematográfica para a Enciclopédia Britânica). Até hoje, a cena é absolutamente assustadora, mesmo para quem já reviu a produção dezenas de vezes.

Foto: Divulgação
Hitchcock no set de Psicose
Mas digamos que você nunca viu um filme de Hitchcock e assista a essa cena de Psicose pela
primeira vez no YouTube hoje. Então talvez você pense: “Ah, então é esse o estilo, o método de
Hitchcock? Uma sequência picotada em diversos cortes, com aquela trilha clássica de terror?”
Não, nem perto disso. Em 1948, ele realizou um filme chamado Festim Diabólico que simulava
ter sido feito em apenas um longo plano-sequência sem cortes (na verdade, o filme tinha oito
cortes, mas eles eram imperceptíveis).
Ou seja, a virtude essencial de Hitchcock reside na soma de criatividade e versatilidade. E
ele era um homem de cinema por excelência: suas soluções eram quase sempre visuais, derivadas
de uma combinação original e poderosa de som e imagem, poucas vezes dependiam dos diálogos –
uma artimanha que ele desenvolveu no cinema mudo inglês e levou com sucesso para o cinema
falado em Hollywood. Ele desenhava story boards detalhados para cada sequência e não gostava
de improvisar no set. Costumava dizer que o filme já estava pronto antes de ser filmado.
“Agora só falta rodar”.
Hitchcock dava a cada cena justamente aquilo que ela exigia para obter determinado efeito
sobre o espectador. Como colocar uma luz dentro de um copo de leite em uma cena de Suspeita
(1941) para chamar atenção sobre o objeto. Nesse sentido, era um manipulador: de ameaças, de
sustos, de choques. E também de atores. Numa famosa provocação, o cineasta chegou a chamá-los
de gado – seres pouco dotados que ele tocava de um lado para o outro no set. Mas não dava para
levá-lo totalmente a sério, já que ele sempre fez questão de trabalhar com os melhores
intérpretes: James Stewart, Cary Grant, Grace Kelly e outros. Hitch também era um gozador, que
recheava suas histórias de ironias e idiossincrasias – como aparecer em pequenas pontas, com
sua figura rotunda e bonachona, na grande maioria de seus filmes.
Sua obra foi construída nessa tênue linha entre o macabro e o ordinário. Ele gostava, por exemplo, de criar cenas improváveis de perseguição – geralmente de um homem inocente que todos acreditavam ser culpado – em grandes símbolos da civilização: a Estátua da Liberdade, a sede da ONU, o Monte Rushmore, o Parlamento Britânico.

Foto: Divulgação
Os atores Anthony Perkins e Janet Leigh contracenam em Psicose
Hitchcock não foi sempre uma unanimidade. Durante muitos anos os críticos americanos reclamaram do que chamavam de “histórias implausíveis” e “truques fáceis” de suspense. Ele era visto como um diretor das multidões, extremamente popular como cineasta e como apresentador de suas séries famosas de TV, mas não como um verdadeiro artista – como se as duas coisas fossem inconciliáveis.
Foi preciso que os jovens críticos da revista Cahiers Du Cinema chamassem atenção para a excelência visual do cineasta inglês para que ele fosse reconhecido, enfim, como um grande mestre. Nesse sentido, nenhum gaulês abusado foi tão importante quanto François Truffaut, que compilou sua série de entrevistas com Hitch no obrigatório volume Hitchcock/Truffaut.
O cineasta francês considerava seu colega inglês “um artista da ansiedade, o mais completo cineasta americano, um especialista em todos os aspectos cinematográficos, que se superava em cada imagem, cada take, cada cena. Hitchcock era único na sua habilidade de filmar diretamente, isto é, sem recorrer a diálogos explanatórios, emoções tão íntimas quanto a suspeita, o ciúme, o desejo e a inveja”.